Justiça do RN bloqueia R$ 145 milhões em bens em investigação contra bets criadas a partir de lei em Bodó

Foto: José Aldenir / Agora RN
A Justiça do Rio Grande do Norte determinou o bloqueio, sequestro e a indisponibilidade de R$ 145 milhões em bens em uma investigação sobre a exploração irregular de casas de apostas. As bets vinham funcionando com base em uma lei municipal de Bodó, no interior do Estado. A decisão é da 2ª Vara da Comarca de Currais Novos, a pedido do Ministério Público Estadual (MPRN).
A investigação apura possíveis crimes de lavagem de dinheiro, induzimento à especulação, contravenção penal (exploração de jogo de azar e loteria não autorizada), associação criminosa e crimes contra as relações de consumo. Segundo o MPRN, o esquema funcionava sob a fachada da agência municipal Lotseridó, criada pela Prefeitura de Bodó para dar aparência de legalidade a dezenas de plataformas de apostas online.
A Promotoria sustenta que as operações eram ilegais, uma vez que municípios não têm competência para legislar sobre loterias ou apostas de quota fixa. A Justiça considerou a medida urgente diante do risco de fuga de capitais, sonegação e dissipação de patrimônio, o que poderia comprometer eventual ressarcimento de danos e a efetividade do processo penal.
O MPRN fundamenta suas conclusões em precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 337, que veda a exploração de serviços de apostas e loterias por municípios.
De acordo com documentos apresentados pelo próprio Município, as empresas envolvidas movimentaram cerca de R$ 415 milhões em apenas dez meses de operação, com repasse aproximado de R$ 8 milhões (2% da receita bruta) para a Prefeitura. As apurações também indicam a participação de “laranjas” – pessoas sem perfil socioeconômico condizente com os valores movimentados.
As suspeitas envolvem ainda empresas possivelmente de fachada, registradas em endereços inexistentes e que continuaram operando mesmo após terem sido formalmente baixadas na Receita Federal. Há indícios, também, de crimes contra as relações de consumo, com uso de falsificação digital institucional: segundo o MPRN, eram inseridos códigos em sites com domínios de alta reputação, como “.gov.br” ou “.edu.br”, para dar credibilidade falsa aos consumidores.
Para o Ministério Público, o objetivo das medidas é interromper um esquema que prejudicaria consumidores e disseminaria informações enganosas sobre a legalidade das apostas, sem qualquer controle de prevenção à lavagem de dinheiro ou cuidado com os impactos sobre apostadores.
A Justiça determinou o bloqueio de saldos em contas-correntes, poupanças e investimentos, além do bloqueio de planos de previdência por meio da Susep, de bens imóveis via CNIB e de veículos pelo Renajud.
Com as medidas cautelares, o MPRN afirma buscar a interrupção imediata das práticas investigadas e garantir o bloqueio de ativos possivelmente utilizados ou obtidos pela atividade ilícita.
Histórico
A Lotseridó foi sancionada em 3 de julho de 2024, pelo então prefeito Marcelo Mário Porto Filho (PSD). O serviço foi encerrado em outubro deste ano, por determinação do novo prefeito Horison José (PL).
Até o encerramento do serviço, havia 32 empresas autorizadas pela Prefeitura. Algumas cuidavam de até três sites de apostas – limite estabelecido nacionalmente. A cidade tem 2,3 mil habitantes, e existiam pelo menos 53 sites autorizados pela prefeitura. Os serviços eram oferecidos em todo o Brasil.
Levantamento do portal G1 aponta que Bodó arrecadou R$ 8 milhões com o funcionamento de bets municipais entre novembro de 2024 e agosto de 2025. O valor representa a soma de dois pagamentos: R$ 5 mil como taxa de outorga para dar aval ao início do funcionamento e 2% da receita bruta registrada pelas empresas mensalmente.
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