Orçamento de combate à violência contra a mulher cai ao menor patamar na gestão Bolsonaro, diz estudo
Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/14-10-2020
Julia Lindner, O Globo
Os investimentos para o combate à violência contra a mulher feitos pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos atingiram o patamar mais baixo durante o governo Jair Bolsonaro.
Segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a alocação total de recursos para as mulheres prevista para 2022 é de 43,2 milhões, ante 61,4 milhões no ano anterior, 132,5 milhões em 2020 e 71,9 milhões em 2019.
— Esse recurso já foi muito maior, inclusive com uma execução muito melhor. Isso mostra que existe uma capacidade de gastar mais. O órgão hoje tem recursos que não são executados — afirmou a porta-voz do Inesc, a assessora política Carmela Zigoni.
Em 2019 e 2020, início do governo Jair Bolsonaro, o ministério da Mulher executou aproximadamente 50% do valor autorizado para políticas de enfrentamento a violência e promoção da autonomia, quantia que não passou de R$ 15 milhões em cada ano.
No ano passado, a pasta gastou efetivamente R$ 44,2 milhões com a área, dos quais R$ 31,2 milhões eram classificados como “restos a pagar”, referente a compromissos assumidos em anos anteriores.
A título de comparação, em 2014 foram autorizados para a mesma política pública R$ 273,3 milhões, sendo que R$ 184,3 foram utilizados de fato.
— Em um cenário de corte de gasto, se você tem um ministério que não executa, a tendência é você ir reduzindo (os repasses). Se você autoriza recurso para aquele ministério e ele gasta metade, no próximo ano você repassa o que sobrou para outro órgão — acrescentou Zigoni.
Ainda de acordo com o estudo, o programa Casa da Mulher Brasileira, que permite atendimento integrado a mulheres vítimas de violência, “permaneceu negligenciado pela ministra Damares Alves” no ano passado.
Dos R$ 21,8 milhões autorizados para execução do programa, foram gastos apenas R$ 1 milhão em 2021, acompanhando a série histórica de execução deste recurso, já que em 2019 nada foi executado e, em 2020, penas R$ 308 mil dos R$ 71,7 milhões disponíveis.
Procurado, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos alegou, entre outras coisas, que essa política “envolve praticamente toda a Esplanada”, não apenas a pasta destinada para isso. “O referido dado do instituto parte de uma premissa equivocada, de que o orçamento para mulheres é executado somente a partir deste Ministério.”
A pasta sugere que seja usado como base para análise o relatório Mulheres no Orçamento 2021, elaborado pelo Ministério da Economia, que considera ações de todas as pastas.
No mês passado, entretanto, a Secretaria da Mulher da Câmara pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) que avalie o método utilizado no parecer por considerar que foram incluídas diversas ações orçamentárias que beneficiam homens e mulheres, como por exemplo assentamento e extensão rural.
Em nota técnica, a coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Celina Leão (PP-DF), afirmou que o valor aplicado para as mulheres foi superestimado no relatório porque não separou os dados por segmentos, nem mesmo nos casos em que havia possibilidade de corte por gênero.
“O que foi gasto com universidade especificamente para mulheres? O que foi gasto com saúde pública que beneficiou realmente as mulheres?”, questionou Celina Leão.
Em nota, o Ministério da Mulher também afirmou que a maior parte dos valores remanescentes classificados como “restos a pagar” é decorrente de obras da Casa da Mulher Brasileira e que os pagamentos são realizados conforme o andamento da obra.
“São 30 casas com implementação, atualmente. Programa que já recebeu investimentos na ordem de R$ 98 milhões por este governo. Ou seja, temos a garantia da execução da política pública. Entretanto, seguindo as boas práticas de uso racional do Erário, os pagamentos são realizados conforme o andamento da obra. Por isso a execução total ainda está em andamento.”
Para o orçamento de 2022, a pasta afirma que ainda serão incluídos quase R$ 5 milhões em recursos discricionários e R$ 7 milhões em emendas individuais. Ainda assim, a soma dessas novas quantias deixa o total abaixo do que foi autorizado no ano passado e nos anteriores.
Responsável pela Procuradoria da Mulher no Senado, a senadora Leila Barros (Sem partido-DF) diz que um dos motivos para a “epidemia” de violência contra as mulheres no Brasil é justamente a falta de investimento nas políticas públicas.
— São necessários recursos para ampliar a estrutura de proteção às vítimas de violência doméstica e campanhas de conscientização das futuras gerações sobre o papel da mulher na sociedade — declarou.
Ela lembra que há um projeto na Câmara, de autoria da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), que destina pelo menos 5% do Fundo Nacional de Segurança Pública para o combate à violência contra a mulher.
Líder da bancada feminina no Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA) afirmou que o corte no orçamento “transparece o descaso do governo Bolsonaro com uma questão tão sensível quanto combate à violência contra a mulher”:
— Desaparelhamento, descaso que se refletem na explosão do número de feminicídios no Brasil. Temas sociais, combate à violência de gênero não são prioridades desse governo, que prefere investir em armas. Se a mulher é prioridade, também tem que ser prioridade no orçamento.
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