Superfungo identificado pela 1ª vez no Brasil mata 39% dos contaminados

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Foto: Melissa Golden/The New York Times / NYT

Rodrigo Souza

O Brasil registrou nesta segunda-feira seu primeiro caso suspeito de infecção pelo superfungo Candida auris, que já causou infecções em outros países da América do Sul. O patógeno foi identificado em uma amostra de ponta de cateter de um paciente que havia sido internado com Covid-19 numa unidade de terapia intensiva na Bahia. Segundo artigo da BMC Infectious Diseases, a taxa de mortalidade dele é de 39%.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) chegou a emitir um alerta nesta terça-feira, pontuando que o Candida auris é “um fungo emergente que representa grave ameaça à saúde global” e que algumas cepas dele são resistentes a todas as principais classes de fármacos antifúngicos.

Segundo Flávio Telles, professor de Infectologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do comitê de micologia da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a chegada do Candida auris ao Brasil acende um alerta, mas não representa um perigo equivalente à vinda do SARS-CoV-2.

O infectologista explica que o superfungo é um germe intra-hospitalar e costuma colonizar equipamentos, instrumentos e pacientes internados. Para pacientes de risco, que estão em UTIs ou que foram submetidos a alguma cirurgia, ele representa uma ameaça maior, pois é capaz de adentrar o organismo e causar uma doença grave conhecida como candidíase invasiva ou candidemia, um tipo de sepitcemia (infecção na corrente sanguínea) que pode levar à morte.

A candidemia pode ser causada por outras espécies do fungo, mas o Candida auris chama atenção por ser especialmente resistente aos tratamentos disponíveis contra a candidíase. E, no contexto da pandemia de Covid-19, os riscos apresentados pelo superfungo têm ainda outro agravante:

— Como a Covid-19 tem provocado muitas internações, e internações prolongadas, o risco de contágio pelo Candida auris é maior. Se ele se espalhar, vai ser mais um problema de saúde pública. Ele é difícil de ser eliminado do hospital — diz o infectologista.

Ainda segundo o infectologista, apenas 5% das amostras de Candida auris são resistentes a todos os antifúngicos disponíveis. No entanto, em grande escala, mesmo essa pequena proporção pode significar um desafio para a gestão de saúde pública.

Além disso, a detecção do superfungo depende de uma tecnologia complexa e cara que atualmente está concentrada em laboratórios de microbiologia especializados, como os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens).

— Na prática, o Candida auris pode ser confundido com outras espécies do fungo, o que dificulta o tratamento. A detecção do germe é feita por espectometria de massa por um método chamado Maldi Tof. Cada equipamento custa em torno de R$ 1 milhão — estima Telles.

No entanto, o infectologista lembra que o Candida auris costuma se restringir aos ambientes hospitalares e não é tão contagioso quanto outros patógenos, como o vírus SARS-Cov-2, causador da Covid-19, por exemplo.

Desde 2009, quando o primeiro caso foi notificado no Japão, houve cerca de 4,7 mil episódios de infecção pela Candida auris em todo o mundo, de acordo com artigo publicado por pesquisadores chineses na revista científica “BMC Infectious Diseases”. O maior surto já registrado do superfungo aconteceu em Londres em 2015, com 22 pacientes infectados e outros 28 colonizados.

Estudos apontam que, diferentemente da Covid-19, que contamina também pelo ar, o superfungo se espalha pelo contato com superfícies infectadas. Por isso, para evitar o avanço do patógeno, o paciente contaminado deve ser isolado dos demais e o local de sua internação deverá ser higienizado com desinfetantes hospitalares específicos, durante e imediatamente após sua estadia.

Avanço pela América Latina

Segundo Telles, o Candida auris é um patógeno conhecido no mundo e já estava no radar da Vigilância Sanitária, mas nenhum caso em solo brasileiro havia sido identificado até agora. Ele já causou infecções em 33 países.

O fungo foi detectado pela primeira vez em 2009, no canal auditivo de uma paciente no Japão. Nos anos seguintes, sua presença se espalhou pela Ásia, pela Europa e pela América do Norte.

Em 2016, a Organização Panamericana de Saúde (Opas) emitiu um alerta para a região da América Latina e Caribe sobre um possível surto de Candida auris na região. Naquele ano, cinco casos de infecção pelo superfungo em Cartagena, na Colômbia, foram atribuídos a outras espécies do fungo até que um equipamento diagnóstico mais moderno fosse capaz de detectar o superfungo. Em 2018, ele chegou à Venezuela, num surto que atingiu 18 pacientes. Casos também foram registrados no Chile.

No Brasil, amostras do primeiro caso suspeito foram enviados para o Laboratório Central de Saúde Pública Profº Gonçalo Moniz (LACEN/BA) e pelo Laboratório do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), que indicaram a presença do patógeno. Agora, testes serão realizados no Laboratório Especial de Micologia da Escola Paulista de Medicina (LEMI–UNIFESP) para determinar o grau de resistência do patógeno e realizar seu sequenciamento genético.

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