Número de ações para garantir leitos de UTI quadruplica nos últimos 3 meses no Brasil
Foto: Izinaldo Barreto/Prefeitura de Feira de Santana
Por Gabriela Caesar, G1
Um levantamento feito pelo G1 revela que a busca por um leito de UTI na Justiça aumentou quatro vezes nos últimos três meses, muito por conta da segunda onda da pandemia no Brasil. Foram ajuizadas 4.320 ações em março, abril e maio de 2021 em todo o país. No mesmo período de 2020, foram 1.052.
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, 10.903 ações já foram impetradas na Justiça com o objetivo de garantir o acesso a leitos de UTI.
Desse total, ao menos 1.224 ações se referem especificamente a pacientes com a Covid-19. Não há um dado nacional consolidado, com divulgação mensal. Por isso, o G1 teve de coletar os dados nos tribunais de Justiça dos 26 estados e do Distrito Federal.
Os estados com o maior número de ações registradas são Rio de Janeiro (1.984), Ceará (1.556), Mato Grosso (1.390), Rio Grande do Sul (926) e São Paulo (709). Apenas o Tribunal de Justiça do Acre não fornece os dados. O TJ-PE informa não ter registrado qualquer ação sobre o assunto desde o início da pandemia.
O dado é reflexo da situação caótica no sistema de saúde brasileiro. O último boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz, divulgado nesta quinta-feira, mostra que a ocupação dos leitos de UTI está em situação “crítica” em 18 estados e no Distrito Federal. Apenas dois estados aparecem com alerta “baixo”. Seis estados estão com alerta “médio”.
Regras para a fila
O professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP Fernando Aith lembra que a judicialização dos leitos de UTI já ocorria antes da pandemia, mas a Covid fez com que houvesse “um aumento exponencial desse tipo de demanda”. Segundo ele, a própria judicialização passou a ser questionada em termos de sua eficácia, com relatos de “ganha, mas não leva”. Ou seja, a Justiça decide a favor do paciente que precisa do leito, mas não há qualquer leito disponível.
Para o professor, o Ministério da Saúde precisa publicar uma normativa que defina critérios para o acesso às vagas de leitos de UTI. Atualmente, não há regras válidas para todo o Brasil. A decisão costuma ficar a cargo do médico ou do diretor de hospital. Procurado, o Ministério da Saúde não quis comentar se planeja publicar uma norma sobre o assunto.
“É o médico, é o diretor do hospital ou é o juiz. E você prefere estar na mão de quem? Eu não sei dizer. Para mim, se é a vida do meu familiar que está em risco, eu prefiro estar na mão de regras claras e transparentes em que eu saiba exatamente qual é a fila, qual é o quadro do meu familiar comparado com os dos demais pacientes desse hospital, até para eu ver se eu tomo a providência de mudar o meu familiar de hospital ou não. Na ausência dessas regras claras, vira uma selva, vira um salve-se quem puder.”
“Um hospital prioriza o mais jovem em detrimento ao mais velho. Outro hospital prioriza quem está em situação mais grave em detrimento de quem está em situação mais controlada. E dentro desse cenário a judicialização é o caminho natural do cidadão desesperado. Não há uma lógica que dê segurança ao cidadão”, diz o diretor-geral do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (CEPEDISA/USP).
O professor da USP acrescenta ainda que o leito de UTI é importante não só para o paciente que tem o caso grave da Covid-19. “Uma pessoa que faz cirurgia eletiva pode precisar de UTI no pós-operatório. Ou uma pessoa que chega ao pronto-socorro com grau de fraqueza muito grande. Uma pessoa que tem ataque cardíaco pode precisar de UTI em determinado momento. Uma pessoa que está internada e desenvolve uma infecção hospitalar, o que é muito comum no Brasil, vai precisar de UTI para não morrer. São infinitas as possibilidades que podem levar pacientes, até sem gravidade, para uma UTI.”
“São muitos os casos em que a atual situação de colapso de UTIs muito provavelmente está levando a óbito pessoas com outras doenças que não iriam a óbito se o sistema de saúde estivesse em situação mais normal. Isso é muito sério.”
Novos leitos de UTI
Para o professor, também é importante que o Ministério da Saúde ajude estados a abrir novos leitos de UTI e comece a discutir a sério uma fila única no Brasil, juntando os sistemas público e privado. Como exemplo, ele lembra que havia leitos de UTI disponíveis nos hospitais militares do Distrito Federal, enquanto 350 pessoas aguardavam uma vaga na rede pública.
Ele destaca ainda que leitos de UTI são de alta complexidade e, portanto, responsabilidade dos estados e da União. E, como o momento é de pandemia, isso ainda está associado a um programa estratégico de combate à doença, cuja coordenação é dever da União. Por isso, ele aponta que a União tem “duplo dever”.
“A União é muito importante para o financiamento, principalmente em um momento como a pandemia. Legalmente as UTIs devem ser organizadas e distribuídas pelo território nacional de acordo com uma pactuação realizada entre os estados e a União. Há várias judicializações dos estados contra a União por conta do subfinanciamento para ajudá-los a abrir novos leitos de UTI. Isso me permite dizer que a União é a grande omissa – no caso, o Ministério da Saúde principalmente – dentro do gerenciamento dos leitos de UTI no Brasil.”
Em nota, o Ministério da Saúde diz que “tem dado apoio irrestrito aos estados e municípios durante a pandemia da Covid-19, atendendo com ações, serviços e fornecendo infraestrutura para o enfrentamento da doença”. Segundo o ministério, de abril de 2020 até maio de 2021, a pasta repassou R$ 37 bilhões para o enfrentamento à Covid-19, além dos R$ 120 bilhões para o custeio e investimento convencional do SUS.
O Ministério da Saúde afirma ainda que “de janeiro a junho de 2021, a pasta autorizou 24.580 leitos de UTI Covid-19 adulto e pediátrico em todo o país, analisando absolutamente todos os pedidos formais recebidos dos estados e municípios, e com o investimento de aproximadamente R$ 3,4 bilhões”.
“No ano passado, foram habilitados 19.517 leitos de UTI Covid-19 ao custo de R$ 3,8 bilhões. A autorização de leitos ocorre sob demanda dos estados, que têm autonomia para disponibilizar e financiar quantos leitos forem necessários”, diz a nota.
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