‘Orçamento secreto’: em ofícios, parlamentares dizem ao governo onde verba deveria ser aplicada

Compartilhe

Por G1 e Jornal Nacional

Ofícios enviados por parlamentares aliados do governo para o Ministério do Desenvolvimento Regional indicavam exatamente onde deveriam ser alocados recursos públicos do chamado “orçamento secreto” revelado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”.

Deputados de oposição e o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediram nesta segunda-feira (11) a investigação das suspeitas de um suposto orçamento paralelo de R$ 3 bilhões que o governo estaria usando para atender a aliados em troca de apoio no Congresso.

A reportagem de “O Estado de S. Paulo” apontou um conjunto de 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado pelo ex-deputado Rogério Marinho.

A TV Globo teve acesso aos ofícios, que não estão disponíveis para acesso público.

Parte do dinheiro foi usada para comprar tratores e equipamentos agrícolas por preços superfaturados, acima da tabela de referencia do governo, e também para obras em que o Tribunal de Contas da União apontou suspeitas de irregularidades e, por isso, não deveriam mais estar recebendo verbas públicas.

O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, pediu que a corte apure o caso. No pedido, o procurador afirma que o caso requer “atuação do Tribunal de Contas da União no cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da administração pública federal, a fim de que sejam apurados os atos do Poder Executivo que porventura venham — contrariando as regras isonômicas previstas para a aprovação e liberação de emendas parlamentares individuais — favorecendo determinados parlamentares, em retribuição a apoio aos projetos do governo”.

A bancada do PSOL no Congresso enviou pedido para que o Ministério Público Federal também investigue a denúncia.

No Congresso, já há pedido de abertura de comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar o suposto esquema de criação de um orçamento paralelo pelo governo.

O pedido foi feito pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), aliado do presidente Jair Bolsonaro. Agora, ele precisará colher a assinatura de pelo menos 27 senadores apoiando a abertura da CPI antes que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), analise o requerimento.

Ofícios

Em um dos documentos, enviado para o presidente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal subordinada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), indicou um total de R$ 71 milhões para compra de máquinas e obras. Mais da metade desses recursos é para o estado do senador, o Amapá.

Alcolumbre disse em nota que, desde o instante em que é eleito, um senador da República, “precisa e deve trabalhar todos os dias para levar benefícios para o seu estado”. Segundo ele, essa é uma obrigação imposta pela “legitimidade do voto popular”.

Em outro ofício, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) também pede à Codevasf especial atenção para viabilizar a transferência da cota dele, autorizada, segundo afirmou, pela Secretaria de Governo da Presidência da República, no valor de R$ 12 milhões.

Por telefone, Cajado disse que não existe orçamento secreto. Segundo afirmou, o orçamento é público em todas as suas demandas, despesas e execuções orçamentárias e não há superfaturamento vinculado às emendas.

Em outro documento, o deputado Vicentinho Júnior (PL-TO), vice-líder do bloco de centro da câmara, diz que estava sendo contemplado com R$ 600,2 mil.

Vicentinho Júnior disse que desconhece a existência de um orçamento secreto criado pelo governo federal, e ressaltou que, independentemente da gestão no Palácio do Planalto, “desde o primeiro dia do mandato trabalha para viabilizar recursos que atendam aos municípios tocantinenses”.

Todos esses pedidos de parlamentares foram feitos no ano passado, antes da eleição para as presidências da Câmara e do Senado, em que acabaram eleitos os candidatos que tiveram o apoio do Palácio do Planalto.

Bolsonaro chegou a vetar

Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar o trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que permitiria que deputados e senadores determinassem o destino dos recursos nesse tipo de emenda.

Bolsonaro argumentou que o dispositivo feria o princípio da impessoalidade na administração pública. Mesmo assim, os ofícios mostram que o governo permitiu que os parlamentares indicassem onde o dinheiro deveria ser aplicado.

O que chamou a atenção é a forma como esse “orçamento paralelo” foi feito, por meio das chamadas emendas do relator do orçamento.

Ao contrário das emendas individuais, que seguem critérios bem específicos e são divididas de forma equilibrada entre todos os parlamentares, as emendas de relator não seguem critérios usuais e beneficiam somente alguns parlamentares, de acordo com acertos informais feitos entre eles, o relator e o governo federal.

Especialistas pedem apuração

Economistas e especialistas em orçamento dizem que essas emendas são mais difíceis de rastrear e que é fundamental investigar a denúncia.

“A meu ver, tem imoralidade, sim, porque não está havendo isonomia, porque não se sabe qual foi o critério que alguns parlamentares puderam fazer oficios e destinar recursos para as suas áreas, seus currais eleitorais, enquanto outros — a maioria, inclusive — não teve esse privilégio. Então, isso tem que ser apurado porque eventualmente pode ter caracterizado compra de apoio politico às vésperas de eleições para a Câmara e o Senado, o que indicaria inclusive uma ingerência do Executivo sobre o Legislativo”, afirmou o economista Gil Castelo Branco, da organização não governamental Contas Abertas.

Para Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, “isso precisa ser melhor explicado”.

“É preciso ter transparência nesses critérios para que a gente saiba como é que o recurso público — e é um recurso relevante — está sendo gasto, está sendo direcionado”, afirmou.

Argumentos do ministério

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Regional disse que o Congresso tem a prerrogativa de indicar recursos da chamada emenda de relator.

Sobre o possível superfaturamento, o ministério afirmou que a planilha de valores dos equipamentos foi elaborada com base em pesquisas de preços realizadas em 2019, é apenas uma referência para a apresentação de propostas e não considera as especificações que podem alterar o custo final.

O ministro da pasta, Rogério Marinho, pediu que a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União (CGU) investiguem a suspeita de superfaturamento na compra dos tratores e equipamentos agrícolas.

Sair da versão mobile