Gabriel Shinohara
Pela segunda reunião seguida, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), decidiu manter a taxa básica de juros, a Selic, em 2%, apesar de apontar a existência de riscos, como o aumento de casos de Covid-19 nos países ricos. O patamar é o menor da série histórica iniciada em 1996.
A manutenção dos juros vem em um cenário de alta na inflação. A prévia de outubro foi a maior para o mês desde 1995 puxada pelo aumento do preço dos alimentos, como a soja, milho e arroz.
Apesar da alta, a inflação nos últimos 12 meses foi de 3,14%, dentro do intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo da meta de 4% estabelecida para 2020. Segundo o boletim Focus, que reúne as expectativas de mercado para os indicadores econômicos, o índice deve fechar 2020 em 2,99%.
Na avaliação do Copom, houve uma alta na inflação nas últimas leituras, com o aumento no preço dos alimentos como um dos fatores, mas vê como um “choque temporário”.
“O Comitê elevou sua projeção para os meses restantes de 2020. Contribuem para essa revisão a continuidade da alta nos preços dos alimentos e de bens industriais, consequência da depreciação persistente do Real, da elevação de preço das commodities e dos programas de transferência de renda. Apesar da pressão inflacionária mais forte no curto prazo, o Comitê mantém o diagnóstico de que esse choque é temporário, mas monitora sua evolução com atenção”.
A Selic é uma das ferramentas do Banco Central para atingir a meta de inflação. Quando está abaixo da meta, o BC corta os juros, estimulando o crédito, aumentando o consumo e a inflação. Quando a inflação parece caminhar para acima da meta, o BC eleva os juros, encarecendo o crédito, que por sua vez freia o consumo, reduzindo a inflação.
Contudo, o efeito de uma alteração na Selic leva de seis a nove meses para chegar na economia. Por isso, o Banco Central já está atento às projeções de inflação para 2021 e 2022, que tem metas de 3,75% e 3,5%, respectivamente. O mercado projeta que a inflação deve ficar em 3,10% no ano que vem e 3,5% em 2022.
Ainda no comunicado, o Copom deixou a possibilidade de reduzir juros, ainda que residualmente, aberta. Para a economista da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, essa alta da inflação realmente é temporária e não deve influenciar na decisão dos juros.
— Como são elementos temporários, não deveriam ter nenhuma relação mesmo de política monetária. A única crítica é que a gente não vê espaço para corte de juros.
Cenário externo
Na visão do Comitê, há bastante incerteza sobre a a evolução da economia, com uma segunda onda do coronavírus e uma “possível redução” dos estímulos governamentais.
“No cenário externo, a forte retomada em alguns setores produtivos parece sofrer alguma desaceleração, em parte devida à ressurgência da pandemia em algumas das principais economias”, afirma o comunicado.
A economista-chefe do BNP Paribas, Tatiana Pinheiro, ressalta que o Banco Central está atento a situação no exterior, dado que países emergentes como o Brasil podem sofrer mais com alterações internacionais.
— Teve uma mudança na avaliação do cenário internacional para pior o que ja mostra uma preocupação do Banco Central com os novos surtos de Covid nas economias avançadas.
Riscos para inflação
O Copom ressaltou que há riscos maiores da inflação subir do que cair. O Comitê ressalta que o nível de ociosidade da economia, principalmente focado no setor de serviços, pode trazer a inflação para abaixo do esperado. Esse efeito pode se intensificar se os efeitos da pandemia demorem para se reverter e o ambiente de incerteza fique mais longo.
Por outro lado, destaca o Copom, uma piora na trajetória fiscal do país ou “frustrações” na continuidade da agenda de reformas, podem fazer com que os juros subam. Nos últimos tempos, o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem defendido os ajustes fiscais e as reformas e destacando que não há como ter juros baixos e inflação baixa com o fiscal desorganizado.
“O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”.
Crescimento
A Selic também é uma forma de estimular a economia, já que é a taxa em que instituições financeiras se baseiam para calcular os juros que serão cobrados de seus clientes. Com uma Selic mais baixa, outras taxas tendem a cair também, o que torna o crédito mais barato.
Com taxas de juros mais baixas, os financiamentos ficam mais baratos. Empresas podem usar os recursos para fazer mais investimentos, por exemplo, e pessoas físicas podem se sentir mais encorajadas para tomar empréstimos ou fazer financiamentos imobiliários. A taxa de juros baixa é considerada “estimulativa”, ou seja, ajuda a induzir a atividade econômica.
No comunicado, o Copom avaliou que a economia brasileira vive uma recuperação desigual com os setores mais afetados pelo distanciamento social sofrendo mais. Ainda segundo o Comitê, ainda há uma incerteza “acima do usual” para o ritmo do crescimento da economia “sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais”.
“O Copom entende que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno”.